O gênero de botas e chapéu domina o gosto musical dos brasileiros. MPB e rock? Viraram músicas de minoria, nas classes A e B
Que tipo de música simboliza o Brasil? Eis uma questão discutida há muito tempo, que desperta opiniões extremadas. Há fundamentalistas que desejam impor ao público um tipo de som nascido das raízes socioculturais do país. O samba. Outros, igualmente nacionalistas, desprezam tudo aquilo que não tem estilo. Sonham com o império da MPB de Chico Buarque e Caetano Veloso. Um terceiro grupo, formado por gente mais jovem, escuta e cultiva apenas a música internacional, em todas as vertentes. E mais ou menos ignora o resto.
Que tipo de música simboliza o Brasil? Eis uma questão discutida há muito tempo, que desperta opiniões extremadas. Há fundamentalistas que desejam impor ao público um tipo de som nascido das raízes socioculturais do país. O samba. Outros, igualmente nacionalistas, desprezam tudo aquilo que não tem estilo. Sonham com o império da MPB de Chico Buarque e Caetano Veloso. Um terceiro grupo, formado por gente mais jovem, escuta e cultiva apenas a música internacional, em todas as vertentes. E mais ou menos ignora o resto.
A realidade dos hábitos musicais do brasileiro, agora está claro, nada tem a ver com esses estereótipos. O gênero que encanta mais da metade do país é o sertanejo, seguido de longe pela MPB e pelo pagode. Outros gêneros em ascensão, sobretudo entre as classes C, D e E, são o funk e o religioso, em especial o gospel. Rock e música eletrônica são músicas de minoria.
É o que demonstra uma pesquisa pioneira feita entre agosto de 2012 e agosto de 2013 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope). A pesquisa Tribos musicais – O comportamento dos ouvintes de rádio sob uma nova ótica faz um retrato do ouvinte brasileiro e traz algumas novidades. Para quem pensava que a MPB e o samba ainda resistiam como baluartes da nacionalidade, uma má notícia: os dois gêneros foram superados em popularidade. O Brasil moderno não tem mais o perfil sonoro dos anos 1970, que muitos gostariam de que se eternizasse. A cara musical do país agora é outra.
A pesquisa partiu de uma base de dados de 20 mil ouvintes de rádio de todas as classes socias e faixas etárias nas capitais brasileiras, entrevistados de 2012 a 2013. O rádio foi escolhido por ser o meio de comunicação mais usado no Brasil: 73% da população brasileira escuta rádio com frequência. Entre os ouvintes, a maioria (96%) ouve música, 70% notícias, 31% esportes (aqueles que ainda gostam de ouvir as partidas de futebol no radinho de pilha), e 21% humor. “Começamos pelo universo do rádio como meio de comunicação móvel primordial e constatamos que a música está no DNA do rádio brasileiro”, afirma Juliana Sawaia, gerente do Ibope Media que coordenou a pesquisa. “O que une todos é a música. O Brasil é um país movido a música”, afirma Thiago Magalhães, assistente da pesquisa. “Queiramos ou não, hoje ele é movido a música sertaneja.”
>> A trilha sonora ignorada pela multidão nas manifestações
O gênero sertanejo, liderado pelos artistas Paula Fernandes e Michel Teló, assumiu uma posição hegemônica nos últimos cinco anos. Bateu os antigos campeões, o pagode e a MPB. Entre 2012 e 2013, dois terços das músicas mais tocadas no rádio são sertanejas, de acordo com a empresa de pesquisas Crowley, que afere a audiência musical. Cerca de 65% das músicas pertencem ao sertanejo, enquanto o pagode, em segundo lugar, ocupa apenas 19% do tempo de rádio. Rock e MPB – representados pela banda Capital Inicial e pela cantora Ana Carolina, entre tantos outros – abocanham 3% cada um, em comparação com os 5% do funk, que vem crescendo com os sucessos de Naldo e Anitta.
É o que demonstra uma pesquisa pioneira feita entre agosto de 2012 e agosto de 2013 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope). A pesquisa Tribos musicais – O comportamento dos ouvintes de rádio sob uma nova ótica faz um retrato do ouvinte brasileiro e traz algumas novidades. Para quem pensava que a MPB e o samba ainda resistiam como baluartes da nacionalidade, uma má notícia: os dois gêneros foram superados em popularidade. O Brasil moderno não tem mais o perfil sonoro dos anos 1970, que muitos gostariam de que se eternizasse. A cara musical do país agora é outra.
A pesquisa partiu de uma base de dados de 20 mil ouvintes de rádio de todas as classes socias e faixas etárias nas capitais brasileiras, entrevistados de 2012 a 2013. O rádio foi escolhido por ser o meio de comunicação mais usado no Brasil: 73% da população brasileira escuta rádio com frequência. Entre os ouvintes, a maioria (96%) ouve música, 70% notícias, 31% esportes (aqueles que ainda gostam de ouvir as partidas de futebol no radinho de pilha), e 21% humor. “Começamos pelo universo do rádio como meio de comunicação móvel primordial e constatamos que a música está no DNA do rádio brasileiro”, afirma Juliana Sawaia, gerente do Ibope Media que coordenou a pesquisa. “O que une todos é a música. O Brasil é um país movido a música”, afirma Thiago Magalhães, assistente da pesquisa. “Queiramos ou não, hoje ele é movido a música sertaneja.”
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O gênero sertanejo, liderado pelos artistas Paula Fernandes e Michel Teló, assumiu uma posição hegemônica nos últimos cinco anos. Bateu os antigos campeões, o pagode e a MPB. Entre 2012 e 2013, dois terços das músicas mais tocadas no rádio são sertanejas, de acordo com a empresa de pesquisas Crowley, que afere a audiência musical. Cerca de 65% das músicas pertencem ao sertanejo, enquanto o pagode, em segundo lugar, ocupa apenas 19% do tempo de rádio. Rock e MPB – representados pela banda Capital Inicial e pela cantora Ana Carolina, entre tantos outros – abocanham 3% cada um, em comparação com os 5% do funk, que vem crescendo com os sucessos de Naldo e Anitta.
“Nossa pesquisa confirmou o triunfo sertanejo”, afirma Juliana. “Analisamos a demografia da música e dividimos as faixas de ouvintes por idade e classe para concluirmos que a música sertaneja se disseminou por todo o país em várias classes sociais e faixas etárias.” Dos entrevistados, 58% declararam ouvir esse tipo de música.
Os analistas do Ibope estabeleceram seis perfis principais de consumidores brasileiros de música, divididos por renda e idade. A partir daí, estudaram o perfil do ouvinte e a flexibilidade do gosto musical de cada grupo. Fizeram uma descoberta evidente: a escolha de certos gêneros e estilos musicais está intimamente associada à divisão do público em idade e classe social.
A maior parte do público sertanejo pertence à classe C, tem entre 25 e 34 anos e nível escolar fundamental. O pagodeiro pertence à mesma classe social do sertanejo. É apenas um pouco mais jovem e mais flexível. Enquanto 61% dos sertanejos ouvem pagode, 81% dos pagodeiros gostam de sertanejo. Uns e outros se distribuem pelo país inteiro e mantêm a mesma preferência quando se trata de diversão. O churrasco é o lazer favorito, depois o bar e a balada.
>> Claudia Leitte S/A: como a cantora virou uma empresária inovadora
Da mesma forma, roqueiros e emepebistas partilham características. Integram as classes A e B e têm escolaridade superior. Os emepebistas se concentram em Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Os roqueiros, em Belo Horizonte e Porto Alegre. A maior parte dos roqueiros (47%) diz ouvir MPB no rádio. Cerca de 30% dos fãs de MPB dizem que ouvem rock. São exigentes e globalizados. Os roqueiros não vão só a shows, como formam bandas. Os emepebistas gostam de produtos de luxo, materiais e culturais. A faixa etária dos roqueiros é mais baixa, entre 25 e 34 anos, ao passo que os ouvintes de MPB têm entre 25 e 34 anos. “A gente pode dizer que os roqueiros ouvirão MPB quando ficarem mais velhos”, diz Magalhães. “Assim como os funkeiros que gostam de Anitta um dia ouvirão mais o gospel de Aline Barros.”
Os ouvintes de funk e música religiosa fazem parte das classes D e E e não completaram o ensino fundamental. A faixa etária do funkeiro é mais baixa, entre 12 e 19 anos, em comparação com os de 25 a 34 anos dos devotos do gospel. O funkeiro tem mais presença no Rio de Janeiro e em Salvador. O ouvinte de som religioso, em especial de gospel, comparece em peso no Nordeste. O funkeiro aprecia música religiosa: 38% dizem que escutam hinos. E 80% deles ouvem sertanejo e pagode. Os funkeiros são espontâneos, e os religiosos conservadores. Engana-se quem pensa que a turma do gospel é fechada. Cerca de 22% deles ouvem funk, 56% sertanejo e 50% MPB. Se dizem otimistas em relação ao futuro – o mesmo estado de espírito dos funkeiros.
>> Felipe Patury: Oh, my God! Aline Barros grava primeiro CD em inglês
Desses dados, pode-se inferir que a trilha sonora do Brasil se alterou profundamente nos últimos dez anos. A classe B, que antes definia o gosto, cedeu primazia às classes C, D e E. A mudança rebaixou a qualidade dos produtos musicais. Samba e MPB exibem um material artístico mais refinado que os pancadões e arrochos sertanejos. Esse universo de gosto se tornou relevante e essencial nas tendências de consumo.
A consequência imediata das mudanças, segundo o crítico Tárik de Souza, foi o rompimento entre o grande público e a linha histórica da grande música brasileira, que começou na década de 1920 com o samba urbano de Sinhô e segue até os dias de hoje, na MPB posterior à Tropicália. Por que isso aconteceu? “Não se permitiu ao público uma escolha democrática, como havia nos tempos da bossa nova e dos festivais, quando tudo tocava no rádio – de Tom Jobim a Altemar Dutra, passando pelos Mutantes”, afirma Tárik. “Pena que os versos de Gil em ‘Rep’ não tenham força de lei: O povo sabe o que quer/mas o povo também quer o que não sabe.”
Para o produtor e empresário Tom Gomes, o ouvinte sabe, sim, o que quer. Ele considera a pesquisa do Ibope fiel à realidade. “Os sertanejos são trabalhadores incansáveis”, diz. “Fazem shows diante de dezenas de milhares de pessoas todos os dias do ano, ao passo que Chico Buarque faz um show a cada cinco anos para uma plêiade de eleitos. Não admira que Paula Fernandes seja mais popular que ele.” Gomes aponta um dado que dá vantagem aos sertanejos: a flexibilidade. “Eles se adaptam a todos os públicos. Para conquistá-los, fazem pagode sertanejo, axé sertanejo e assim por diante. Eles se renovam, enquanto o pessoal do rock e da MPB persegue o purismo e a mesmice.” Roqueiros e emepebistas são órfãos do tempo em que as gravadoras regiam o consumo, afirma Gomes. Hoje, como os sertanejos notaram, tudo acontece nos shows. “Em grande parte dos 5.570 municípios brasileiros, o público não vê shows de MPB”, diz Gomes. “Vê os sertanejos.”
Há esperança para todos, porém. Como mostra a pesquisa, as seis tribos sonoras que simbolizam a nação não estão congeladas, nem são estanques. Elas se misturam, evoluem e se influenciam mutuamente. Contribuem, a seu modo, para a riqueza e a diversidade da música brasileira. Parte dela toca menos no rádio. Hoje. Amanhã será outro dia.
Os analistas do Ibope estabeleceram seis perfis principais de consumidores brasileiros de música, divididos por renda e idade. A partir daí, estudaram o perfil do ouvinte e a flexibilidade do gosto musical de cada grupo. Fizeram uma descoberta evidente: a escolha de certos gêneros e estilos musicais está intimamente associada à divisão do público em idade e classe social.
A maior parte do público sertanejo pertence à classe C, tem entre 25 e 34 anos e nível escolar fundamental. O pagodeiro pertence à mesma classe social do sertanejo. É apenas um pouco mais jovem e mais flexível. Enquanto 61% dos sertanejos ouvem pagode, 81% dos pagodeiros gostam de sertanejo. Uns e outros se distribuem pelo país inteiro e mantêm a mesma preferência quando se trata de diversão. O churrasco é o lazer favorito, depois o bar e a balada.
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Da mesma forma, roqueiros e emepebistas partilham características. Integram as classes A e B e têm escolaridade superior. Os emepebistas se concentram em Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Os roqueiros, em Belo Horizonte e Porto Alegre. A maior parte dos roqueiros (47%) diz ouvir MPB no rádio. Cerca de 30% dos fãs de MPB dizem que ouvem rock. São exigentes e globalizados. Os roqueiros não vão só a shows, como formam bandas. Os emepebistas gostam de produtos de luxo, materiais e culturais. A faixa etária dos roqueiros é mais baixa, entre 25 e 34 anos, ao passo que os ouvintes de MPB têm entre 25 e 34 anos. “A gente pode dizer que os roqueiros ouvirão MPB quando ficarem mais velhos”, diz Magalhães. “Assim como os funkeiros que gostam de Anitta um dia ouvirão mais o gospel de Aline Barros.”
Os ouvintes de funk e música religiosa fazem parte das classes D e E e não completaram o ensino fundamental. A faixa etária do funkeiro é mais baixa, entre 12 e 19 anos, em comparação com os de 25 a 34 anos dos devotos do gospel. O funkeiro tem mais presença no Rio de Janeiro e em Salvador. O ouvinte de som religioso, em especial de gospel, comparece em peso no Nordeste. O funkeiro aprecia música religiosa: 38% dizem que escutam hinos. E 80% deles ouvem sertanejo e pagode. Os funkeiros são espontâneos, e os religiosos conservadores. Engana-se quem pensa que a turma do gospel é fechada. Cerca de 22% deles ouvem funk, 56% sertanejo e 50% MPB. Se dizem otimistas em relação ao futuro – o mesmo estado de espírito dos funkeiros.
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Para o produtor e empresário Tom Gomes, o ouvinte sabe, sim, o que quer. Ele considera a pesquisa do Ibope fiel à realidade. “Os sertanejos são trabalhadores incansáveis”, diz. “Fazem shows diante de dezenas de milhares de pessoas todos os dias do ano, ao passo que Chico Buarque faz um show a cada cinco anos para uma plêiade de eleitos. Não admira que Paula Fernandes seja mais popular que ele.” Gomes aponta um dado que dá vantagem aos sertanejos: a flexibilidade. “Eles se adaptam a todos os públicos. Para conquistá-los, fazem pagode sertanejo, axé sertanejo e assim por diante. Eles se renovam, enquanto o pessoal do rock e da MPB persegue o purismo e a mesmice.” Roqueiros e emepebistas são órfãos do tempo em que as gravadoras regiam o consumo, afirma Gomes. Hoje, como os sertanejos notaram, tudo acontece nos shows. “Em grande parte dos 5.570 municípios brasileiros, o público não vê shows de MPB”, diz Gomes. “Vê os sertanejos.”
Há esperança para todos, porém. Como mostra a pesquisa, as seis tribos sonoras que simbolizam a nação não estão congeladas, nem são estanques. Elas se misturam, evoluem e se influenciam mutuamente. Contribuem, a seu modo, para a riqueza e a diversidade da música brasileira. Parte dela toca menos no rádio. Hoje. Amanhã será outro dia.
Fonte- Epoca
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